“Isso é do diabo!”, é um slogan
recorrente na boca de muitos cristãos ignorantes que gostam de ver demônio
onde não tem.
A coisa pode chegar ao nível do absurdo. Senão, vejam! Não
muitos dias atrás, enquanto caminhava por uma calçada, vi um homem (suas roupas
denunciavam que era membro de alguma “seita” pentecostal
ultraconservadora)enfurecido com uma adolescente (que suponho ser sua filha). A
moça, envergonhada, só ouvia o suposto pai gritar: “quando chegar em casa,
arranque logo essas coisas do diabo [brincos] de suas orelhas”.
Bom, penso que o leitor agora deve estar me dando razão por
articular essas ideias “favoráveis” ao adversário. Essa prática demoníaca de
demonizar tudo é um problema sério. Há aquele crente que demoniza a depressão e
tudo quanto é transtorno psíquico, por exemplo. O discurso é o seguinte: “Isso
é obra do diabo. Não procure o psiquiatra porque não vai resolver. Vamos
expulsar isso da sua vida!”. Um reducionismo ridículo da complexidade dos
problemas humanos.
Ver demônios onde não há pode causar situações muito
vexatórias e trágicas. Passo a contar ao leitor outra experiência minha, para
que a reflexão se amplie. Dessa vez não vi, mas a própria vítima me contou.
Vítima? Isso mesmo. Vou descrever o caso...
Trata-se de uma mulher jovem e bem instruída. Estava passando
por uma terrível tempestade emocional, quando decidiu ir a uma igreja (dessas
que fazem “campanhas da vitória”, “batalha espiritual”, “oração forte”) e pedir
oração. Foi recebida por uma “pastora fogo puro”. Ao começar a orar, a pastora
recebeu uma “revelação” de que a nossa jovem estava possuída pelo demônio da
depressão, da miséria emocional, e outras coisas mais. A partir daí, teve
início uma série de rituais, gritos de “sai demônio!”, mãos pressionando a
cabeça da vítima, empurra-empurra para ver se “endemoninhada” caía por terra,
enfim, aquela confusão toda.
A vítima ficou em estado de choque, sem reação, atordoada,
apavorada com o rumo que as coisas tomaram de repente. Não esperava, absolutamente,
aquilo. Queria ser acolhida, esperava orações afetuosas, palavras sábias que a
acalmassem, súplicas suaves capazes de aliviar a dor.
Então, mesmo ali, acoitada pelo tumulto que criou-se a sua
volta, ela reuniu forças, tomou coragem e gritou: “Parem com isso e me soltem
agora”. Mas a fúria da ignorância religiosa é mais nefasta que o próprio
demônio. Resultado? Consideraram a reação da jovem uma resistência do próprio
demônio ao “poder de Deus”, e continuaram com a seção de exorcismo forçado.
Tragédia, ultraje, um verdadeiro “estupro” espiritual. A
“vítima” passa bem, mas ainda está se recuperando do trauma sofrido. Indiquei a
ela o livro “Feridos em nome de Deus”[1]
da jornalista Marília de Camargo César, leitura pela qual poderá conhecer casos
de outras pessoas “vitimadas” pela estupidez religiosa, e caminhar junto delas
na busca por esperança e cura.
O diabo é o pai da mentira e dos mentirosos. Mas também é o
pai da ignorância e dos ignorantes religiosos, da estupidez e dos estúpidos
religiosos, da arrogância e dos arrogantes religiosos, da crueldade e dos
cruéis religiosos, do fanatismo e dos fanáticos religiosos. É pai do abuso
espiritual e de toda a raça de líderes evangélicos abusivos e manipuladores.
Há coisas feitas por alguns homens e mulheres “bem-intencionados”
da religião, que o diabo, nem nos seus picos máximos de maldade, teria coragem
de fazer.