Meninos normais sabem jogar bola. Isso diziam os meninos da escola, da vizinhança, de todos os cantos...
Sempre preferi os livros. Mas também não queria ser excluído do time dos espertos. Nesse mundo, para conviver, para ter uma boa "socialização" (palavra tão querida aos pedagogos), é preciso, as vezes, tentar gostar de coisas que gente normal gosta.
Foi assim, então, que tentei ser normal. Era um sábado. Seria a minha grande estréia formal no mundo dos normais. Digo formal porque já tinha, por inúmeras vezes, brincado de bola na rua. Mas eu queria algo mais sério: inscrevi-me em uma escolinha de futebol da cidade (não que me interessasse ser jogador profissional; o que queria, mesmo, era apenas dar uma boa impressão, fazer parte do grupo, alcançar status, semelhante a alguns que estudam Medicina não porque possuam uma vocação médica, mas por status).
Ah! Como ia contando, o tal sábado... Foi a minha primeira partida como titular do time da escolinha contra um adversário importante. O professor me escalou por insistência minha. Hoje, acho que ele bem que deveria simpatizar-se com a pedagogia progressista: "todos os alunos possuem um potencial dentre de si, e o professor deve ser um bom mediador ou incentivador para que esse potencial apareça e se desenvolva... lalalalala"). Mas eu provaria que há competências que não dependem do professor, tampouco do aluno, e que, nem sempre, é possível ser ou fazer o que se quiser, desde que haja estímulos e recursos adequados. Os teólogos dizem que nascemos vocacionados e recebemos de Deus talentos específicos. Eu concordo. Pois vejam o caso de Rubem Alves. Esforçou-se, deu o melhor de si, recebeu lições de exímios pianistas, não lhe faltavam estímulos familiares, teria tudo para ser um excelente músico. Fracassou como pianista, conquistou o mundo como escritor, poeta, educador. Ele disse em algum lugar que não foi capaz de colocar para dentro o piano que estava fora. Aí estava a diferença:o pianista nato não precisa fazer força - apenas coloca para fora o piano que sempre existiu dentro dele.
No meu grande dia deu tudo errado, apesar das orações que fiz antes da partida (é bom lembrar que oração não é palavra mágica da sorte, confissão positiva ou coisa desse tipo, senão coisas ruins não aconteceriam aos que oram). Para começar, estava nervoso, ansioso. Para ficar pior, calcei chuteiras maiores um pouco que meus pés. O zagueiro me fez um passe adiantado, daqueles que põe o outro a correr para alcançar bola. O lance foi bom, mas quando parti, em galope, para pegar o objeto redondo que rastejava velozmente sobre a grama, me desequilibrei e tropecei nas próprias chuteiras (um pé se tornou rival do outro; já imaginaram a cena, não é mesmo?).
Fui retirado da partida. Temi olhar para o rosto do técnico (estaria rindo ou com cara de bravo?, essa dúvida me acompanhará para sempre). Quem entrou no meu lugar fez até gol. Não me senti humilhado. Na verdade fiquei feliz. A escolinha era chata; jogar bola na rua era mais divertido e não me exigia tanta técnica. Além disso, fiquei convencido de que minhas habilidades eram outras e estava livre de pressões internas.
Amigos me dizem que estou sedentário, que não posso viver só de livros. Convidaram-me para uma "pelada" hoje. Não sei se vou. Ah... Talvez outro dia. Hoje, preciso continuar a leitura do maravilhoso livro "O Idiota" de Dostoiévski.
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