sexta-feira, 24 de abril de 2015

Sou um Cristão Mundano

"Passarinhos, belas flores
querem m'encantar;
São vãos terrestres esplendores,
mas contemplo o meu lar".

Trecho da canção cristã "O Exilado". Belíssima poesia que demonstra o forte sentimento de exílio no coração de um cristão piedoso. Este almeja o céu, realidade infinitamente superior, diante da qual todas as coisas dessa vida terrena perdem a cor e o sabor. O coração do exilado suplica que Cristo venha logo, pois já está com saudade do paraíso original, do Éden do qual foi expulso e para o qual quer voltar.

Nós cristãos sabemos da nossa condição de peregrinos, afirmamos a efemeridade do mundo, a vaidade de todas as coisas debaixo do sol e aguardamos os novos céus e da nova terra, segundo as promessas das Escrituras. Nessas verdades moram nossa esperança. Mas ideias como essas também podem abrigar equívocos: o não encantamento com a criação, a desilusão total, a insensibilidade estética diante da vida aqui e agora, a negação da marca do divino no mundo criado, a dicotomização gnóstica, que nos faz pensar do mundo um cativeiro da alma.

Contra essa perspectiva espiritualista demais de negação do mundo, afirmo que sou um cristão mundano. Ah, não me envergonho de assumir a minha mundanidade. Porque outro poeta disse que

"Os céus manifestam
a glória de Deus
E o firmamento anuncia
as obras de Suas mãos"

Percebo a eternidade naquilo que é temporal, sinto a liberdade do Espírito no brisa fresca da tarde, contemplo a bondade de Pai na vida simples dos pardais, recebo o Filho em meus braços quando abraço uma criança.

"E viu Deus que tudo era muito bom".

Sou a favor de uma teologia do encantamento, da contemplação de Deus no mundo. Desejo que mais cristãos não resistam e se deixem encantar pelos passarinhos e belas flores. "Olhai os lírios do campo!", foi o convite de Jesus. O que ele queria dizer, ao nos mostrar os lírios é, assim creio: "Permiti que suas cores decorem vossas almas, acinzentadas pelas preocupações da vida; deixai que seu perfume inunde as recâmaras do vosso coração, contaminado pelos odores da ansiedade; confiai na providência do Estilista de toda essa beleza".

"Eu, contudo, vos afirmo que nem Salomão,
em toda a sua glória, se vestiu como qualquer deles".

Sinto-me cercado por esse Misterium Tremendum que permeia todo o Universo, tenho a constante sensação da bondade e da misericórdia que nos segue, apesar do caos e da dor que o mundo também pode nos apresentar.

Os passarinhos já encantam a minha filhinha de cinco meses de idade. Ao final da tarde, ela e eu vamos para a varanda admirar as garças que voam sincronizadamente, fazendo o caminho de volta a seus lares em magnífico ritual pelos céus de Itaperuna.

"Observai as aves do céu:
não semeiam, não colhem, nem ajuntam em celeiros;
contudo, vosso Pai celeste as sustenta".

Não, os passarinhos e as flores não são belezas vãs. São sinais do Sagrado no mundo, são a complexidade do Divino imiscuída na simplicidade do humano. Sou um cristão mundano ao não aceitar, como genuinamente cristã, uma espiritualidade espiritualista demais, que só admire os anjos, mas não contemple os passarinhos, que só fale do céu, mas despreze a terra (para mim isso, as vezes, não passa de hipocrisia sob a falsa capa de espiritualidade).

"Do Senhor é a terra e a sua plenitude,
o mundo e os que nele habitam".

Ao Deus que preenche tudo, assim na terra como no céu, seja a glória para sempre.


terça-feira, 7 de abril de 2015

Os pentecostais estão descobrindo o calvinismo

Um grande número de jovens pentecostais está descobrindo o calvinismo. Eles estão fascinados com as pregações de John Piper e Paul Washer; estão devorando livros de Spurgeon e Jonathan Edwards; estão participando de seminários, cursos e palestras sobre teologia reformada. Essa é uma tendência significativa que já tem chamado a atenção de estudiosos do pentecostalismo, de pastores e líderes, de professores de Teologia. Há muita empolgação, mas também muita desconfiança. Estaríamos presenciando uma nova onda no movimento pentecostal brasileiro: a onda calvinista?
A distância entre a geração dos primórdios da Assembleia de Deus no Brasil, maior denominação pentecostal verde-e-amarela, e a geração que compõem esse segmento evangélico nos dias atuais é oceânica.  Os desbravadores assembleianos encontraram aqui um solo fértil para a plantação de suas igrejas, especialmente entre as populações mais carentes e de baixa escolarização das periferias urbanas e dos rincões do país. A pregação da cura divina, a simplicidade litúrgica, a desburocratização organizacional, o papel central dos leigos na evangelização, o lugar especial dado ao pobre (durante a semana é apenas mais um funcionário subalterno da indústria, vestindo seu uniforme pesado e sujo, mas aos domingos é um pastor, tem direito a sentar-se em lugar de destaque e usar da palavra) são aspectos que ajudaram a determinar o crescimento impressionante alcançado por essa denominação. 

No entanto, muitos filhos e netos dessa vanguarda assembleiana, cresceram em uma realidade totalmente distinta, marcada por: um maior acesso à informação, à escolarização e às universidades; uma tendência forte ao questionamento mais contundente das tradições e costumes sem sentido; um interesse em conhecer as raízes históricas do cristianismo e dialogar com diferentes tradições teológicas dentro da cristandade; uma busca mais apaixonada por Teologia (que foi tão combatida pelos pentecostais da reserva). Além disso, uma evolução no perfil social da denominação foi acontecendo aos poucos: a aceitação crescente do pentecostalismo entre a classe média (ser pentecostal já não é coisa mais de pobre, negro e analfabeto apenas).

Hoje, não são poucos os pentecostais que já não aceitam mais uma postura antiintelectual, arbitrária, ingênua e fechada que caracterizou seus antepassados. O teólogo batista Luiz Sayão disse, em uma de suas palestras, que quando vai ministrar em conferências, congressos e seminários pentecostais vende muito mais de seus livros do que em eventos similares organizados por denominações históricas. 

Creio que isso seja positivo. Uma grande onda jovem pentecostal está consumindo boa literatura, está lendo diferentes pensadores cristãos sem medos, censuras e preconceitos, está aberta ao conhecimento e ao debate de ideias, está "desatanizando" João Calvino. E mais:  está cansada da teologia da prosperidade, está enojada das pregações de pura gritaria e socos no ar, está saturada das canções antropocêntricas, está inquieta com a domesticação de Deus, está irritada com a mercantilização do sagrado e a comercialização da fé, está de "saco cheio" com líderes caudilhescos que não são pastores, mas dominadores da consciência do rebanho, está insatisfeita com esse papo interminável de usos e costumes sendo ensinados como "doutrinas centrais" da fé...

Não afirmo, com esse texto, que o calvinismo deva ser abraçado pelos jovens pentecostais como forma de se colocarem como cristãos evoluídos, inteligentes, de um status superior. Não. O que quero mostrar é que, o fato de muitos adeptos do pentecostalismo se interessarem pela teologia história reformada, pelo diálogo com as diferentes abordagens teológicas, pelo conhecimento bíblico profundo e por uma espiritualidade equilibrada, é sinal de avanço.

Não é preciso medo, nem repressão... No próximo texto a gente continua esse assunto.

quinta-feira, 2 de abril de 2015

Quando tentei ser normal

Meninos normais sabem jogar bola. Isso diziam os meninos da escola, da vizinhança, de todos os cantos...

Sempre preferi os livros. Mas também não queria ser excluído do time dos espertos. Nesse mundo, para conviver, para ter uma boa "socialização" (palavra tão querida aos pedagogos), é preciso, as vezes, tentar gostar de coisas que gente normal gosta. 

Foi assim, então, que tentei ser normal. Era um sábado. Seria a minha grande estréia formal no mundo dos normais. Digo formal porque já tinha, por inúmeras vezes, brincado de bola na rua. Mas eu queria algo mais sério: inscrevi-me em uma escolinha de futebol da cidade (não que me interessasse ser jogador profissional; o que queria, mesmo, era apenas dar uma boa impressão, fazer parte do grupo, alcançar status, semelhante a alguns que estudam Medicina não porque possuam uma vocação médica, mas por status).

Ah! Como ia contando, o tal sábado... Foi a minha primeira partida como titular do time da escolinha contra um adversário importante. O professor me escalou por insistência minha. Hoje, acho que ele bem que deveria simpatizar-se com a pedagogia progressista: "todos os alunos possuem um potencial dentre de si, e o professor deve ser um bom mediador ou incentivador para que esse potencial apareça e se desenvolva... lalalalala"). Mas eu provaria que há competências que não dependem do professor, tampouco do aluno, e que, nem sempre, é possível ser ou fazer o que se quiser, desde que haja estímulos e recursos adequados. Os teólogos dizem que nascemos vocacionados e recebemos de Deus talentos específicos. Eu concordo. Pois vejam o caso de Rubem Alves. Esforçou-se, deu o melhor de si, recebeu lições de exímios pianistas, não lhe faltavam estímulos familiares, teria tudo para ser um excelente músico. Fracassou como pianista, conquistou o mundo como escritor, poeta, educador. Ele disse em algum lugar que não foi capaz de colocar para dentro o piano que estava fora. Aí estava a diferença:o pianista nato não precisa fazer força - apenas coloca para fora o piano que sempre existiu dentro dele.

No meu grande dia deu tudo errado, apesar das orações que fiz antes da partida (é bom lembrar que oração não é palavra mágica da sorte, confissão positiva ou coisa desse tipo, senão coisas ruins não aconteceriam aos que oram). Para começar, estava nervoso, ansioso. Para ficar pior, calcei chuteiras maiores um pouco que meus pés. O zagueiro me fez um passe adiantado, daqueles que põe o outro a correr para alcançar bola. O lance foi bom, mas quando parti, em galope, para pegar o objeto redondo que rastejava velozmente sobre a grama, me desequilibrei e tropecei nas próprias chuteiras (um pé se tornou rival do outro; já imaginaram a cena, não é mesmo?). 

Fui retirado da partida. Temi olhar para o rosto do técnico (estaria rindo ou com cara de bravo?, essa dúvida me acompanhará para sempre). Quem entrou no meu lugar fez até gol. Não me senti humilhado. Na verdade fiquei feliz. A escolinha era chata; jogar bola na rua era mais divertido e não me exigia tanta técnica. Além disso, fiquei convencido de que minhas habilidades eram outras e estava livre de pressões internas. 

Amigos me dizem que estou sedentário, que não posso viver só de livros. Convidaram-me para uma "pelada" hoje. Não sei se vou. Ah... Talvez outro dia. Hoje, preciso continuar a leitura do maravilhoso livro "O Idiota" de Dostoiévski.