Um jovem procurou-me, dizendo que redescobriu o Evangelho de
Jesus Cristo, através da herança teológica e doutrinária da Reforma Protestante
do século XVI. Ele está bem empolgado, lendo avidamente escritos dos grandes
ícones desse movimento, como Martinho Lutero e João Calvino.
Há mais de dez anos venho estudando a Reforma, sob o ponto
de vista histórico, teológico e doutrinário, e também lidando, como pastor e
professor, com as questões que vão sendo levantadas quando nos propomos a
transportar as ideias dos reformadores para os desafios das igrejas evangélicas
brasileiras na atualidade.
Com base nesse histórico pessoal, atrevi-me a desempenhar o papel de
conselheiro e apontei-lhe os quatro erros que um reformado não deve cometer.
Primeiro: um reformado não deve ser teologicamente orgulhoso.
Todo cristão que se diz reformado deve ler repetidas vezes I Coríntios 13.
Nenhum conhecimento, habilidade alguma, obra nenhuma, nada disso é válido sem o
amor. O amor é a legitimação ética e espiritual de todas as nossas palavras e
obras. Usar-se do título de “reformado” para depreciar e humilhar a crença de
alguém é contrário ao espírito da Reforma. Dizer que A é alguém ignorante,
alienado, mentalmente limitado porque não chegou as mesmas compreensões
teológicas e doutrinárias de B, é banalidade pura, vaidade, pecado. Lutero, em
seu livro “Da liberdade cristã”, descreve a maneira como o cristão deve se
relacionar com Deus e com o próximo: pela fé em Deus o cristão é livre; pelo
amor ao próximo é servo de todos. João Calvino, sabiamente, escreveu:
“Ninguém possui coisa alguma, em seus próprios recursos, que o faça superior; portanto, quem quer que se ponha num nível mais elevado não passa de imbecil e impertinente. A genuína base da humildade cristã consiste, de um lado, em não se presumido, porque sabemos que nada possuímos de bom em nós mesmos; e, de outro, se Deus implantou algum bem em nós, que o mesmo seja, por esta razão, totalmente debitado à conta da divina Graça”. João Calvino, Exposição de 1 Corintios (1 Co 4.7), pp. 134,135

Terceiro: um reformado não deve ser beligerante. Os
reformadores não almejavam aproximar os cristãos de seu tempo das Escrituras e,
consequentemente, do Evangelho autêntico de Jesus Cristo. Contradiz, portanto,
os princípios da Reforma qualquer postura agressiva, raivosa, hostil, que
afaste as pessoas de Cristo, que as leve a odiar qualquer referência à palavra
“igreja”. É importante a crítica sensata aos absurdos que se prega e que se faz
em muitos círculos ditos “evangélicos” nos nossos dias. É importante expressar
o sólido conteúdo bíblico e teológico da Reforma, com coerência e clareza.
Contudo, um reformado deve se abrir ao diálogo, ouvir os diferentes pensamentos
e não “partir pra cima”, nocauteando o oponente. Já vi “reformados” vencendo
debates, mas perdendo bons amigos. Lutero sustentava que a Reforma deveria ser
obra da Palavra e não da imposição violenta. A descoberta do Evangelho que
revolucionou a vida de Lutero veio do simples estudo pessoal das Escrituras,
quando o reformador deparou-se com essas palavras: “O justo viverá por fé” (Rm.
1.17).

Esses conselhos, embora bastante incompletos, podem ser discutidos, ampliados e repensados, a fim de servir à maturidade espiritual e teológica dos que estão saindo da caverna de suas limitadas compreensões sobre a fé cristã, - compreensões estas, muitas vezes controladas por rígidos sistemas denominacionais fechados e cerceadores do pensamento -, e encontrando um mundo lá fora, amplíssimo e iluminado pela sabedoria que vem sendo acumulada por gerações de cristãos frutos da Reforma.