terça-feira, 4 de agosto de 2015

"Em Nome de Jesus": nada mais que uma gíria do evangeliquês?


Lembro-me quando na boca dos evangélicos a expressão "em nome de Jesus" tinha um tom muito sério, reverente e espiritual. Cresci ouvindo pessoas piedosas orando, invocando o Nome para diversas situações, especialmente curas milagrosas e exorcismos. Tem gente que não acredita, mas eu acredito em sobrenaturalidade. Acredito também que o sagrado possui um significado insofismável na vida de muitos fiéis. Por isso não sou simpático ao pessoal (de jornalistas a humoristas) que gosta de caricaturar os símbolos religiosos das pessoas (seja Jesus ou Maomé).

Bem, os evangélicos cresceram muito, todo mundo sabe disso. Esse crescimento quantitativo não significou melhora da qualidade do evangelicismo brasileiro. Pelo contrário, muita coisa foi vulgarizada. Querem ver um exemplo: tem alguma área da vida da igreja que foi mais bagunçada e inferiorizada do que a pregação e o pastorado com essa explosão evangélica? Os reformadores do século XVI adoeceriam de depressão se vissem o que uma galera "ungida" e autorizada - sei lá por quem para serem pregadores e pastores - está fazendo com a Bíblia por aí.

Uma outra coisa que ficou bem relativizada e vulgarizada, nesse tempo de "deforma" protestante ou cristianismo deformado, é o termo "em nome de Jesus", que virou um clichê, uma repetição banal, com total esvaziamento de significado. Percebo que esse tempo de secularismo dominante, cada vez mais pessoas deixam de levar a religião a sério, inclusive os religiosos. Nesse cenário, continuarão a surgir as igrejas playground, com centenas de fiéis infantilizados e em busca de entretenimentos espirituais. E as igrejas sérias funcionarão como museus, sem muita atração para as massas, mas guardando relíquias antigas e preciosíssimas, como a Bíblia, as doutrinas fundamentais do cristianismo puro e simples,a pregação expositiva e fiel às Escrituras, os sacramentos, a ética cristã. 

Acho muito interessante quando alguém diz: "Em nome de Jesus vou parar de beber refrigerante e emagrecer!", ou "em nome de Jesus vou trocar de smartphone amanhã!", ou ainda, "em nome de Jesus vou namorar aquela moça". O que Jesus tem a ver com isso? Jesus deseja emagrecer, comprar um smartphone e arrumar uma namorada? 

Fazer alguma coisa em nome de outra pessoa significa agir ou falar como se ela o fizesse, trata-se de uma legítima autorização de representação, como acontece com a procuração que o cliente concede ao advogado, ou semelhante ao embaixador representando seu país em território estrangeiro. 

"Na verdade, na verdade vos digo que aquele que crê em mim também fará as obras que eu faço" (S. João 14.12).
"E estes sinais seguirão aos que crerem: Em meu nome expulsarão os demônios; falarão novas línguas; pegarão nas serpentes; e, se beberem alguma coisa mortífera, não lhes fará dano algum; e porão as mãos sobre os enfermos, e os curarão". (S. Marcos 16.17-18).

Fazer algo em nome de Jesus é fazer as obras que Ele fez. E o que Ele fez? Resumindo em uma única palavra: amou! Quando lutamos contra o mal generalizado, presente em nós e no mundo. quando resistimos o diabo com todas as suas tentações, quando ultrapassamos as fronteiras do egoísmo para curar o outro dos males da alma e do corpo, para libertar o outro de todos os tipos de opressão, para proclamar a justiça e a esperança, estamos fazendo as obras de Jesus, portanto, agindo em seu nome.

Mas, lamento,o nome de Jesus virou apenas mais uma gíria do "evangeliquês", ou para fazer um recorte mais específico, do "neopentecostês". Como explica Harry Blamires, aluno de C.S. Lewis na Universidade de Oxford, em seu brilhante livro The Christian Mind: how should a christian think?, a perversão de linguagens e conceitos na literatura, nos filmes, nas telenovelas, nos discursos "inteligentes", nas publicações diárias e semanais, também atingiu a expressão religiosa. É impressionante ver como "em nome de Jesus" tem sido uma exclamação tão vulgarizada e esvaziada de sentido. E o problema é agravado pelos líderes religiosos de caráter duvidoso que usam o nome de Jesus para cá e para lá, mas Jesus mesmo está muito longe deles.

"Muitos me dirão naquele dia: ‘Senhor, Senhor, não profetizamos em teu nome? Em teu nome não expulsamos demônios e não realizamos muitos milagres?’ Então eu lhes direi claramente: Nunca os conheci. Afastem-se de mim vocês, que praticam o mal!” (advertências de Jesus em Mateus 7.22-23). 

Concluindo com um pensamento de Blamires: "Não há nada - nem mesmo sacerdócio, episcopado ou profissão religiosa - que não possa ser pervertido...".

Um comentário:

  1. O livro de Blamires trata de como o pensamento cristão parou de influenciar a sociedade secular. Isso vindo de um Anglicano (teólogo) destoa um pouco do 'espírito' do anglicanismo, talvez a única modalidade de denominação onde a crença em um corpo de doutrinas é afastada para que se possa fazer parte dela. Admito que a Igreja Anglicana sobreviveu até hoje justamente por essa peculiaridade: abre mão da fé em termos de dogmas fundantes, para manter a unidade. Ou por outra, é uma igreja que prima pela unidade abrindo mão da dogmática. Tem-se de tudo lá sobre a panóplia denominacional.

    Por isso ele destoa para os anglicanos liberal.

    Mas a ideia de que o Cristianismo não está mais a influenciar a sociedade, é fato. Ficção é achar que ainda pode influenciar se se considerar o passado até os dias de seu mentor, C. S. Lewis.

    O que Blamires tinha que deixar claro, e nem ele e nem o texto de Diniz fazem, é explicar sobre que pressupostos --- pode ser filosófico, histórico --- se sustenta a afirmação de que o Cristianismo haverá de influenciar marcadamente a sociedade com outrora. A roda a história não tem ré.

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