terça-feira, 8 de setembro de 2015

Exorcismo Forçado


 Não sou advogado do diabo, mas nesse texto pretendo “aliviar a barra” dele. Sei que ele é o “pai da mentira”, conforme afirmam as Escrituras. Contudo, também há muitas mentiras e acusações falsas sobre ele. Tem gente por aí atribuindo ao espírito mal obras que não são dele.

“Isso é do diabo!”, é um slogan recorrente na boca de muitos cristãos ignorantes que gostam de ver demônio onde não tem.

A coisa pode chegar ao nível do absurdo. Senão, vejam! Não muitos dias atrás, enquanto caminhava por uma calçada, vi um homem (suas roupas denunciavam que era membro de alguma “seita” pentecostal ultraconservadora)enfurecido com uma adolescente (que suponho ser sua filha). A moça, envergonhada, só ouvia o suposto pai gritar: “quando chegar em casa, arranque logo essas coisas do diabo [brincos] de suas orelhas”.

Bom, penso que o leitor agora deve estar me dando razão por articular essas ideias “favoráveis” ao adversário. Essa prática demoníaca de demonizar tudo é um problema sério. Há aquele crente que demoniza a depressão e tudo quanto é transtorno psíquico, por exemplo. O discurso é o seguinte: “Isso é obra do diabo. Não procure o psiquiatra porque não vai resolver. Vamos expulsar isso da sua vida!”. Um reducionismo ridículo da complexidade dos problemas humanos.

Ver demônios onde não há pode causar situações muito vexatórias e trágicas. Passo a contar ao leitor outra experiência minha, para que a reflexão se amplie. Dessa vez não vi, mas a própria vítima me contou. Vítima? Isso mesmo. Vou descrever o caso...

Trata-se de uma mulher jovem e bem instruída. Estava passando por uma terrível tempestade emocional, quando decidiu ir a uma igreja (dessas que fazem “campanhas da vitória”, “batalha espiritual”, “oração forte”) e pedir oração. Foi recebida por uma “pastora fogo puro”. Ao começar a orar, a pastora recebeu uma “revelação” de que a nossa jovem estava possuída pelo demônio da depressão, da miséria emocional, e outras coisas mais. A partir daí, teve início uma série de rituais, gritos de “sai demônio!”, mãos pressionando a cabeça da vítima, empurra-empurra para ver se “endemoninhada” caía por terra, enfim, aquela confusão toda.

A vítima ficou em estado de choque, sem reação, atordoada, apavorada com o rumo que as coisas tomaram de repente. Não esperava, absolutamente, aquilo. Queria ser acolhida, esperava orações afetuosas, palavras sábias que a acalmassem, súplicas suaves capazes de aliviar a dor.

Então, mesmo ali, acoitada pelo tumulto que criou-se a sua volta, ela reuniu forças, tomou coragem e gritou: “Parem com isso e me soltem agora”. Mas a fúria da ignorância religiosa é mais nefasta que o próprio demônio. Resultado? Consideraram a reação da jovem uma resistência do próprio demônio ao “poder de Deus”, e continuaram com a seção de exorcismo forçado.

Tragédia, ultraje, um verdadeiro “estupro” espiritual. A “vítima” passa bem, mas ainda está se recuperando do trauma sofrido. Indiquei a ela o livro “Feridos em nome de Deus”[1] da jornalista Marília de Camargo César, leitura pela qual poderá conhecer casos de outras pessoas “vitimadas” pela estupidez religiosa, e caminhar junto delas na busca por esperança e cura.

O diabo é o pai da mentira e dos mentirosos. Mas também é o pai da ignorância e dos ignorantes religiosos, da estupidez e dos estúpidos religiosos, da arrogância e dos arrogantes religiosos, da crueldade e dos cruéis religiosos, do fanatismo e dos fanáticos religiosos. É pai do abuso espiritual e de toda a raça de líderes evangélicos abusivos e manipuladores.

Há coisas feitas por alguns homens e mulheres “bem-intencionados” da religião, que o diabo, nem nos seus picos máximos de maldade, teria coragem de fazer.






[1] CÉSAR, Marília de Camargo. Feridos em nome de Deus. São Paulo: Mundo Cristão, 2009.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Caro leitor,

(1)Reservo o direito de não públicar criticas negativas de "anônimos". Quer criticar e ter a sua opinião publicada? Identifique-se. (2) Discordar não é problema. É solução, pois redunda em aprendizado! Contudo, com educação. Sem palavrão!