Nesses tempos em que buscamos seguidamente auto-promoção, o self-marketing, desesperadamente preocupados em "sair bem na foto", exibindo um "eu" que, muitas vezes, nada tem a ver com quem somos, mentindo o tempo todo para nós mesmos, vale a pena ler esse maravilhoso poema de Dietrich Bonhoeffer que apresento a seguir.
Aqui, o teólogo-mártir alemão caminha pelos labirintos da sua alma, buscando a resposta sincera e íntima à pergunta essencial: "quem sou eu?".
Bonhoeffer foi muito mais que um teólogo de gabinete ou um pastor preocupado apenas com "almas". Ele decidiu levar o discipulado cristão até às últimas consequências, desafiando o poder nazista e denunciando a igreja ofial alemã que, por amor a Hitler, negou a Cristo. Foi enforcado pelos nazistas aos 38 anos de idade.
Quem sou eu?*
Quem
sou eu? Seguidamente me dizem
que
saio da minha cela
tão
sereno, alegre e firme
qual
dono de um castelo.
Quem
sou eu? Seguidamente me dizem
que
da maneira como falo
aos
guardas, tão livremente,
como
amigo e com clareza
parece
que esteja mandando.
Quem
sou eu? Também me dizem
que suporto os dias do infortúnio
impassível,
sorridente e com orgulho
como
alguém que se acostumou a vencer.
Sou
mesmo o que os outros dizem de mim?
Ou
apenas sou o que sei de mim mesmo?
Inquieto,
saudoso, doente,
como
um passarinho na gaiola,
sempre
lutando por ar, como se me sufocassem,
faminto
de cores, de flores, às vezes de pássaros.
Sedento
de palavras boas, de proximidade humana,
tremendo de ira a respeito da
arbitrariedade
e
ofensa mesquinha,
nervoso na espera de grandes coisas,
em angústia impotente pela sorte de
amigos distantes,
cansado e vazio até para orar, para
pensar, para produzir,
desanimado e pronto para me despedir de
tudo?
Quem sou eu? Este ou aquele?
Sou hoje este e amanhã um outro? Sou
porventura tudo ao mesmo tempo?
Perante as pessoas um hipócrita?
E um covarde, miserável diante de mim
mesmo?
Ou será que aquilo que ainda em mim
perdura,
seja como um exército em derradeira fuga,
à vista da vitória já ganha?
Quem sou eu?
A própria pergunta nesta solidão
de mim parece pretender zombar.
Quem quer que sempre eu seja,
tu me conheces, ó meu Deus,
SOU TEU.
Dietrich Bonhoeffer (1906-1945)
*Extraído da biografia de Bonhoeffer escrita por Eric Metaxas: "Bonhoeffer: pastor, mártir, profeta e espião". Editora Mundo Cristão.
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